Li o texto
abaixo no Jornal Metrô News, na edição de 27 de dezembro de 2012. É de autoria
de João Baptista Herkenhoff que é escritor, palestrante, magistrado aposentado
e professor universitário.
Ser ou ter,
Niemeyer?
Os que comandam
o imaginário popular propõem o consumo como meta de vida. O sistema econômico
vigente tem, nos mecanismos de mercado competitivo, o fundamento de sua
organização. O parâmetro de êxito pessoal, imposto pela cultura dominante, é
possuir e consumir.
Contrapondo-se à
cultura dominante, o filósofo Gabriel Marcel afirma que o “ter” é uma fonte de
alheamento. Aquilo que possuímos ameaça de nos tragar. Os homens que vivem na
zona do ter são almas cativas que sofrem uma deficiência ontológica com a perda
do ser. Tais homens são indiferentes ao outro. Fogem no momento de perigo. Para
o homem que vive na “dimensão do ter”, todas as coisas são problemas; para o
que entra em “seu próprio ser”, convertem-se em mistério. O ser, já por si, é
um mistério: não se pode comprovar, computar e dominar, mas apenas reconhecer.
Estava iluminado
pelo espírito de Gabriel Marcel nosso imenso Oscar Niemeyer quando ensinou:
“Meu avô foi Ministro do Supremo Tribunal Federal, morreu sem um tostão. Achei
bonito ele morrer assim. Teria vergonha de ser um homem rico. Considero o
dinheiro uma coisa sórdida.”
Também caminhou
na contra-mão o poeta Newton Braga. Desprezou o pragmatismo, com os desvalores
em que se assenta:”Esta sensibilidade, que é uma antena delicadíssima, captando
pedaços de todas as dores do mundo, e que me fará morrer de dores que não são
minhas.”
Segundo Gabriel
Marcel qualquer tarefa humana, mesmo um artigo como este, pode ser um problema
ou um mistério. Será um problema se for encarado como algo que me corta o
passo, um gigante assustador com o qual devo me defrontar. Será mistério na
medida em que me veja metido nele, na medida em que meu próprio ser nele se
implique e se comprometa.
Joseph Beuys vê
como obra de arte toda a criatividade humana: o professor, o cientista, o
filósofo, o escritor, o jornalista, o revolucionário, o utopista são todos
artistas. Dispondo do milagre da palavra, o escritor e o jornalista devem ser
porta-vozes do seu povo. Devem estar a serviço da justiça e da verdade.
Está próximo o
mundo dos homens que viverão na “dimensão do ser”. Já não será o gesto de
coragem isolado, mas o fruto de uma estrutura social. Não se lutará pelo pão de
cada um, mas pelo pão de todos. A oração do “Pai-Nosso” será verdadeira. O
espectro da solidão será banido da terra.
Desatrelados do
“pesadelo do ter”, os homens serão “livres para ser”. E a humanidade construirá
sua casa, e ninguém ficará ao relento, e as crianças olharão as estrelas, e as
estrelas terão paz, do jeito que Oscar Niemeyer sonhou.